quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Escrevo longas cartas pra ninguém

F.,

Quanto calor tem feito por aqui esses dias, aposto que você iria adorar. Já te falei mil vezes que detesto isso de tempo abafado e você sempre com um contra-argumento sobre as temperaturas negativas e eu pondero e digo que gosto do tempo ameno. Sou feita de amenidades. Andei relendo umas cartas que escrevi pra você há mais de um ano, mas que não tive coragem de enviar. Como elas são banais, Deus do céu.

Eu estava pensando em: talvez se você estivesse aqui, eu te ligaria hoje no final da tarde pra gente ficar por aí, sem fazer nada, falando bobagens, falando sério, falando da gente, falando dos outros. Seria bom sentir seu cheiro, seu hálito doce, mesmo com esse calor, eu gostaria de receber daqueles abraços longos e apertados que só você sabe dar. Até tomaria um chá pra te agradar, mas teria que ser gelado, senão derreteríamos.

Os últimos dias tem sido atípicos, até esqueci daquela música do Paul, a nossa música, e das nossas discussões sobre a teoria de que ele morreu num acidente. Até me esqueci do Antonioni e da nossa paixão declarada pela Mônica Vitti, teremos que dividí-la, sinto muito. Porém, me lembrei de tudo isso e me veio também a maciez do toque do seu cabelo, a sua mania de deitar no meu ombro e fazer movimentos leves com a cabeça, fazendo cócegas na minha bochecha. Como eu pude me esquecer disso? Vai ver que foi pra evitar todo esse sofrimento que vem junto com a saudade imensa que eu sinto de ti.

Andei revendo aquelas fotos da nossa viagem, quanta loucura, bebedeiras e noites ao relento. Quando eu percebi já não conseguia mais viver sem você e suas sobrancelhas grossas, seus olhos molhados de íris negras que tanto me encantaram logo na primeira vez que te avistei naquela festa “estranha com gente esquisita”. E a gente conversou durante horas, só a gente porque o resto das pessoas eram estranhas totalmente, irrelevantemente estranhas.

Agora, tudo me lembra você. Cada canto da casa, cada livro, até mesmo aquelas meias que você esqueceu aqui há anos... Sinto falta, morro a cada dia sem você e renasço na esperança de te ter aqui comigo mais uma vez. A gente naquelas sessões triplas de filmes idiotas, só porque eu fico deprimida aos domingos. E as imitações que você fazia, tudo tão bobo, mas tão lindo em você.

Sinto saudades doloridas.

Um beijo,

Mariana

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