sábado, 29 de dezembro de 2007

->

"não fosse isso
e era menos
não fosse tanto
e era quase"


Paulo Leminski veio aqui em casa noite passada. Me convidou para beber com ele, como negar?

Era Leminski, eu até bebi conhaque, bebi poemas e palavras inacabadas, livros intermináveis. Bebi até alguém se esquecer de mim. No caso, o alguém era eu mesma.

Um irresistível copo de uísque me abordou enquanto eu lia a mente de Drummond. Bebi ouvindo rock, ouvindo Caetano, ouvindo o barulho dos astros.

Conversamos durante horas, um olhando pros olhos do outro, sem nada dizer, dizendo tudo.

Quando o sol despontou no horizonte, ele desceu, entrou num táxi e sumiu.

Um dia ele volta, ah, se volta.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

()

Ela, então, percebeu que tudo o que pretendia fazer não passava de coisas vãs e fez. Já não tinha mais compromissos com os pensamentos e julgamentos. Era Natal e ela queria que fosse Dia da Bandeira, melhor se fosse Dia da Árvore ou do Sol. Satisfação nenhuma, sempre querendo mudar, sempre se mandando, se revirava pra dar um jeito no tédio da vida. Melhor se hoje fosse Dia Índio.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Então

ELA abriu a porta.

ELE sentado no sofá, esperando nada acontecer

Tudo um pouco bagunçado, a bagunça é mais fácil. Confusão. Cheiro de coisa guardada, de dor crescente. Cinzeiro cheio, copos e garrafas vazios. Começava uma chuva fina lá fora, o vento sacudia a cortina da janela do canto da sala que ficou aberta durante dias, imperceptível.

Nenhuma palavra, nenhum sorriso, nenhum olhar. ELE sentado, ELA entrando. Nada restou só uma dor fina, persistente, um reumatismo, talvez.

ELE olhando pra nada, pro vão, pro vazio que sobrou das tardes no parque: o sol no rosto, a brisa, a grama verde, a toalha xadrez, aquela música antiga que lhes pertencia, o que antes era tudo, agora reduziu-se a poeira cobrindo os móveis. ELA remexendo o velho guarda-roupa. Uma mala, algumas roupas e sapatos, algumas lembranças de noites chuvosas, mas alegres, românticas de vez em quando. A chuva aumentando, o trânsito crescendo junto com ela.

Tudo tão remoto pra ELE, tão sem sentido pra ELA

Um raio iluminou o interior da sala. ELA fechou a janela e a cortina. Dirigiu-se à cozinha. Tudo fora do lugar, tudo o que já não restava daquilo que houve. Um velho disco de Bossa tocava na antiga vitrola, o chiado incomodava a ELA, era afeita às modernidades, mas ELE amava aquilo, gostava do que era antigo. Amou-a também, mesmo com todas as diferenças e divergências. Talvez ela o amasse também, mas e agora? O que fica?

Pegou alguns livros empoeirados da estante, jogou junto com as roupas e calçados, na mala sem muitas preocupações. ELE nada fez, nem reclamou quando ELA pegou “A Faca no Coração”, que era d’ELE, o seu amor, o seu Trevisan. De que adiantaria brigar por um livro? As coisas já estavam desgastadas demais, até sua voz. ELA continuava a passear pela casa que um dia lhe pertenceu também. Parecia não mais reconhecer aquilo tudo, parecia mais cheia, mas vazia de algo. Talvez fosse culpa da desordem ou da sua ausência e até mesmo da ausência d’ELE, ausência de alma.

A sala continuava abafada e a buzinas que chegavam ao 7º andar, quebravam um pouco daquele silêncio dolorido, tentavam arrancar aquele grito preso das discussões passadas, aquela náusea seca que rondava os dois. A chuva tornou-se mais forte e ELE levantou-se e foi até a cozinha. O primeiro movimento em horas ou dias ou até mesmo meses. Talvez o som do copo que ELA quebrou na busca de coisas que não existiam mais o tenha despertado da inércia da desilusão. Seus olhos não estavam mais tão nublados, porém continuavam secos.

ELA procurava mais algumas coisas, não sabia se algumas lhe pertenciam ou se eram do outro, tudo tinha se misturado nesses anos de convivência. Nada disseram, nenhum suspiro, só o chiado do disco que tinha acabo, o som dos saltos d’ELA quando andava procurando o que tinha perdido e o barulho longínquo da cidade que tentavam quebrar toda a tensão existente, mas nem os trovões conseguiam essa proeza. E a tempestade se fazia.

ELA desistiu de procurar, ELE tentou desencavar um copo limpo da montanha de louças que estavam depositadas sobre a pia, mas nada estava limpo ali desde que ELA se foi. Foi até o balcão e pegou uma garrafa de uísque que estava quase acabando, iria beber no gargalo, coisa que ELA odiava, mas nada mais importava, não essas pequenas implicâncias cotidianas.

ELA foi até a porta, parou e olhou o apartamento, como se estivesse esquecendo algo, mas não sabia o que era. ELE seguiu-a com os olhos. ELA deixou as chaves na estante. Continuou a olhá-la. Até que a porta fechou-se e ELE não derramou uma lágrima sequer, um pouco de orgulho o invadiu, mas refletiu que não havia chorado, porque chorou demais, estava seco. Ficou olhando a porta branca com a garrafa de uísque nas mãos durante horas, dias, meses.

E lá fora a cidade completamente alagada.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

2007 em 35mm

Com toda certeza esse não foi meu ano mais cinematográfico, mas listinhas são sempre boas e bem-vindas.
Como o ano está quase no fim e eu tenho plena certeza de que não verei o filme mais sensacional do ano nessas últimas semanas, fica aí a lista:

- Pecados Íntimos (Little Children, Todd Field)


Certamente, esse está no meu Top 3 desse ano. Com uma atuação impecável de Kate Winslet, a ótima direção de Todd Field e, principalmente, um roteiro inteligente, acho que não falta mais muita coisa pra ser um grande filme. Ele é cheio de metáforas, necessita de uma boa interpretação, principalmente, acerca das crianças. Sai do filme-pipoca e passa a ser algo mais instigante.
Muita gente foi ao cinema enganada devido ao título em português, também, pudera. Exceto isso, gosto dele em todos os aspectos.

- Borat (Borat, Larry Charles)


O auge da provocação. Humor apelativo e tudo mais. Um judeu que satiriza a caça ao judeu. Tudo combinado? Não sei, só sei que é bem divertido.

- Os Infiltrados (The Departed, Martin Scorsese)


Tudo bem que o filme estreou em 2006, mas só vi esse ano, em janeiro. Scorsese sempre ótimo, até me fez ver o filme mesmo com o Matt Damon no elenco. Oscar merecido, num ano fraco, já que esse não é o melhor de seus filmes. O filme vem pra reafirmar que o DiCaprio é a Diane Keaton mais recente do Martin Scorsese e ele realmente está excelente. Mark Mark irreconhecível e surpreendentemente bom, Alec Baldwin gordo e canastrão, Nicholson com a mesma cara de louco, ator de um papel só, mas se faz bem...

- Hairspray (Hairspray, Adam Shankman)



Tudo bem que musical nunca foi meu gênero preferido e pode ser que esse não seja dos melhores, mas eu adorei. Me diverti no cinema, não ficava pensando nas compras que eu tinha pra fazer ou qualquer coisa do tipo, só sentia vontade de continuar assistindo. As músicas são ótimas e nada politicamente-corretas, exceto em uma parte, mas a gente releva.

- Uma Mulher Sob a Influência (A Woman Under The Influence, John Cassavetes)


Outro filme que não é desse ano, muito menos dessa década, ma eu vi no cinema e isso conta. Foi numa retrospectiva Cassavetes que teve no CineSesc em São Paulo. A forma de não-direção do diretor americano é uma coisa incrível. Gena Rowlands é deusa. Pouquíssimas vezes vi uma atuação tão impressionante. Acho que isso deve-ser tanto ao talento da atriz quanto a liberdade que lhe foi confirida por Cassavetes.
Provavelmente, não deve ter cópias de "Uma Mulher" no Brasil, pois as legendas desse e de outros filmes que foram apresentados nessa mostra, tinham legendas em português de Portugal. A cópia não era das melhores, mas vê-la foi um deleite.

- Daunbailó (Down By Law, Jim Jarmush)


Honestamente, eu deixei de tentar entender essa tradução para o português do título. Também não é um filme desse ano, mas como eu vi esse ano no cinema, devo listá-lo como um dos melhores do ano, pra mim. Afinal de contas, a lista me pertence.
A trilha sonora do Tom Waits é muito boa, a atuação do Benigni não é diferente de tantas outras, mas o diferencial nesse filme é roteiro e o não-compromisso com o cinema americano extremamente comercial.
E o melhor, tirou a má impressão que eu fiquei do Jarmush depois que vi "Flores Partidas".

- Planeta Terror (Planet Terror, Robert Rodriguez)



Sensacional!
Tem tudo o que um filme de zumbi precisa ter, inclusive a graça proposital. A arma acoplada à perna de Rose McGowan, a canastrice de Freddy Rodriguez como latin-lover-herói-e-tudo-mais, dentre outros aspectos deixam o filme incrível. Sem dúvida, um dos melhores e mais engraçados filmes do ano que se passou. Uma ótima retomada do trash.

- A Casa de Alice, de Chico Teixeira


Como o próprio Chico disse, um filme extremamente documental e que requer uma certa paciência. Tudo remete ao documentário, assim como a fotografia e o apego aos mínimos detalhes da vida de uma família suburbana. Acho que é válido associá-lo ao filme do israelense Yuval Shafferman, "Coisas que o Sol Esconde", que passou na Mostra de São Paulo no ano passado. Em "Casa" a velha, mãe de Alice, é a pessoa que tudo vê e nada diz, assim como em "Coisas", a filha mais nova, uma menina de uns 12 anos, faz um papel semelhante. São sabedorias diferentes.
Famílias desajustadas, problemas conjugais e filiais, problemas diários de pessoas comuns.
Negligência é o plot dos filmes. Em "Casa" ela acontece, de fato, e a mãe nada faz para dissolvê-la, já em "Coisas", o pai sente-se culpado, tenta suprimir a falta. Talvez o radicalismo de Teixeira peque mais do que a redenção de Shafferman, mas julgamentos não são válidos aqui. E, com toda certeza, a forma com que o filme brasileiro é levado não é destruída por esse maniqueísmo.
Na minha opinião, "A Casa de Alice" é um dos melhores brasileiros do ano e boa parte disso, deve-se aos silêncios, ao talento de Carla Ribas e a sensibilidade de Chico para captar as nuances reais de uma família ficcional.

- I'm Not There (I'm Not There, Todd Hayes)



Sim, eu esperava mais desse filme, mas não fiquei decepcionada com o que vi. Confesso que fiquei confusa num primeiro momento e que até agora só de pensar na parte do Richard Gere fico com sono. Porém, a atuação de Cate Blanchett vale e vale muito pelo filme todo. Ele poderia ser um "Harry Potter" qualquer, se tivesse uma atuação de Blanchett um pouco parecida com a que ela apresentou na pele de Dylan, eu veria com gosto, mesmo odiado o resto. Entretanto, o filme não é de todo mal, tem umas coisas incríveis, não dá pra comparar com o filme do bruxo, fou apenas um exemplo aleatório. Algumas cenas são tão incríveis que redimem a parte chata de Gere. Um filme não convencional e isso é garantia de discussões após a sessão, garanto. Sem contar que a trilha sonora, é claro, é ótima.

- Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho


Tudo que eu tinha pra dizer sobre esse filme, eu já disse no post anterior. O melhor brasileiro do ano e o melhor de Coutinho.

- Millenium Mambo (Qianxi Mambo,
Hou Hsiao Hsien )


E eu que não conhecia o cinema de Hsiao Hsien...
O filme também não é desse ano, mas vi numa mostra de cinema taiwanês, então conta como cinema na telona.
É uma obra-prima. Um filme hipnotizante. A cena de abertura já indica tudo, pelo menos pra mim, quando começou com a protagonista andando numa espécie de túnel, o meu sentimento era de que eu iria amar aquilo e sim. Eu disse sim para o cinema difícil de Hsiao Hsien e não me arrependo nenhum pouco disso.

- Three Times (Zui hao de shi guang, Hou Hsiao Hsien)

Outro que não é desse ano, visto na mostra de cinema de Taiwan. O amor em três tempos diferentes, vários impedimentos. Não consegue superar "Millennium", mas nem por isso deixa de ser um ótimo filme. Belo, o esmero fotográfico encanta e a cena final da primeira história é de deixar qualquer um com vontade de ter feito aquilo, tamanha delicadeza.
E o cinema oriental vem me ganhando a cada dia que passa.

- A Retirada (Désengagement, Amos Gitai)


Arrebatador.
A cena inicial do filme é inexplicavelmente boa. Discussão sobre nacionalidade, totalmente pertinente. Muitas coisas em aberto, sem frustrar. Juliette Binoche incrível.
Nada mais pode ser dito, tem que ser visto.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

O bom filho

Creio que evitei, durante um bom tempo, falar sobre filmes, séries e etc. O motivo? Vai ver que era porque eu estava extremamente cansada de falar mal dos filme dos outros, sendo que eu nunca fiz um sequer e sou dona de uma gama de roteiros medíocres, ou bem de filmes que eu não vou gostar mais daqui a alguns anos, porque eles não são de fato bons. Reler meus textos piegas e adolescentes me deixa mal, mesmo.

Blog é uma coisa muito oitava série, não sei. Mas existem uns bem interessantes com uns textos muito bons, o que não é o caso do meu.

O motivo desse post era: falar do filme do Coutinho. Porém, tomou um rumo diferente. Voltarei ao foco.

Na semana passada, vi o décimo longa-metragem de Eduardo Coutinho. O nome do filme é "Jogo de Cena". Dono de um mau humor invejável (pelo menos eu invejo, porque meu mau humor não chega aos pés do dele), Coutinho sempre consegue me cativar com seus filmes. E esse é o mais incrível de todos. Documentário não é meu gênero favorito, mas sempre me rendo a alguns.

Antes de ir assistir, perguntei a um amigo que tinha visto o filme no dia anterior e ele falou que era o melhor dos melhores do Coutinho. Senti um arrepio, porque já estava indo com uma expectativa e odeio isso, porque sempre saio do cinema insatisfeita.

Felizmente, saí encantada. O filme é ótimo, um dos melhores que vi esse ano. Coutinho vai nos conduzindo com toda sua sinceridade, mas mesmo assim consegue esconder algumas coisas e nos surpreende. Nem fui ver o outro filme que eu tinha programado no meu cronograma do festival. Melhor assim, fui dormir com aquilo na cabeça e ainda estou com ele aqui comigo.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Notas de uma pessoa desocupada

Nota nº1. Pregui...

Nota nº 2. Procurar o que fazer, mas só depois das 14h, porque acordar cedo não está nos planos.

Nota nº3. Como não tem nada pra fazer, o jeito é procurar algum filme bom em cartaz (filme bom = algum que não exija muito do intelecto). Melhor que seja no meio tarde: trânsito tranqüilo, estacionamento fácil, nada de fila e cinema vazio, sem adolescentes pipoca.

Nota nº4. Antes do filme, comer qualquer coisa nada saudável e observar as pessoas que também são desocupadas, ninguém é sozinho no mundo.

Nota nº5. Enquanto o filme não começa, o bom é planejar o que não fazer depois da sessão. Do tipo: deitar em qualquer lugar e pensar em nada.

Nota nº6. Escolher um filme mais idiota da próxima vez, muitas trocas de personalidade pode complicar a vida do espectador.

Nota nº7. Depois de esvaziar a cabeça por mais de meia hora entre cigarros e cafés, pensar num companheiro de copo e ligar logo pra ele, porque tem sempre alguém mais desocupado do que você.

Nota nº8. Combinar de chegar mais cedo no boteco pra evitar problemas com estacionamento e mesas.

Nota nº9. O desocupado merece beber bastante, porque no dia seguinte, só haverá tempo livre.

Nota nº10. Ficar na rua até 3h da madrugada, no mínimo, dormir o mais tarde possível, pois dormir cedo é coisa de quem tem mais o que fazer.