terça-feira, 7 de agosto de 2007

No se puede...

Hoje me deparei com um conto mais do que bonito do Caio F., meu companheiro de todas as horas. Ele está no livro "Ovelhas Negras", o título é "Metâmeros", dividido em duas partes, mas só transcreverei a segunda parte. Eis a explicação da palavra metâmeros, dada pelo próprio Caio:

"Desde que li em algum livro de biologia que 'metâmero é cada um dos anéis do corpo de um verme, e que cada um desses metâmeros pode formar um verme novo', fiquei fascinado pela idéia de textos que seriam assim como embriões de si mesmos. Se desenvolvidos, poderiam resultar em contos ou até mesmo novelas ou romances. Das dezenas que escrevi, estes dois me parecem os melhores"

Ok, não publicarei o primeiro, não hoje, a vontade não veio, mas a vontade de vomitar o segundo é maior do que eu.

II. SOBRE O VULCÃO
No se puede vivir sin amor.
(Malcolm Lowry: Under the Volcano)
Naquele tempo, minha única ocupação diária era tentar não morrer. Talvez pareça excessivamente dramático dito assim, mas assim era. Nem sinistra ou espantosa, apenas cotidiana feito xícara de café, janela aberta ou fechada sobre esse espaço vago que chamam de o depois, dentro e fora de mim, a morte estava sempre presente.
Naqueles dias uterinos, gordurosos, naqueles dias amnióticos quando eu não conseguia sequer sair da cama, trinta horas em posição fetal sem dormir nem viver, numa espécie de ensaio geral da treva definitiva deflagrada pela hospitalização de Daniel, pouco mais de quarenta quilos e nódulos púrpuras espalhados pelo novo corpo quase de criança onde, do antigo, restavam apenas os enormes olhos verdes, e também pelo suicídio de Julia, pulsos cortados e a cabeça enfiada no forno do fogão a gás, vestida de bailarina com tutu de gaze azul e sapatilhas, depois de ter grafitado em spray rosa-choque no lado de fora da cozinha alguma coisa em espanhol, alguma coisa amarga, alguma coisa assim: no se puede vivir sin amor.
Daquele tempo nem tão distante, daqueles dias que até hoje duram às vezes duas, às vezes duzentas horas, restou essa sensação de que, como eles, também me vou tombando rápido dentro da boca de um vulcão aberto sem fôlego nem tempo para repetir como numa justificativa, ou oração, ou mantra, enquanto caio sem salvação no fogo que é verdade, que si, que no, que nadie puede mismo vivir sin amor.

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